“Considero o curso de Medicina como um filho querido”
Presente no curso de Medicina da PUC Goiás desde os estudos para sua criação, a professora e psicanalista Rita Francis Gonzalez y Rodrigues Branco entra agora em uma nova fase de vida: aposenta-se da carreira de docente na universidade, deixando um legado importante para a instituição. Em entrevista inédita, a professora fala de sua carreira como docente, o curso de Medicina da PUC Goiás, o fazer médico e a teoria de Balint. “Entrei no início do curso de Medicina e tive a grata satisfação de trabalhar com estudantes desde a primeira turma. Considero o curso de Medicina da PUC Goiás como um filho querido”, reflete. Confira:
PUC Notícias: A senhora contribuiu para a criação do curso de Medicina e participou de toda a sua história até agora. Como vê todos esses anos de caminhada na universidade?
Rita Francis: Vejo como uma realização de um desejo, de um grande desejo! Sou aposentada por carreira na UFG, mas como médica, embora tenha atuado na docência, naquela universidade nunca consegui entrar como professora realmente. Tinha um desejo grande de ser docente da PUC e para tanto fiz um mestrado e um doutorado em Educação. Assim, me preparei não só para ser docente mas, sobretudo, para fazer a ponte epistemológica entre o saber médico e o saber pedagógico.
No curso de Medicina da PUC pude exercer a função de docente construindo conhecimento com meus estudantes e, também, trabalhei na construção de um saber pedagógico próprio desenvolvendo capacitação de professores dentro dos novos rumos da Didática, principalmente no que se refere às metodologias ativas. Foi uma realização total. Considero-me muito privilegiada por ter tido tal experiência.
PN: O que é ser médico para a senhora?
RF: Ser médico/a para mim é ter uma profissão que nos exige uma capacitação tecnológica importante, uma construção constante do conhecimento científico mas, sobretudo, uma grande compreensão do humano. Ser médico/a, parafraseando Paulo Freire, é “gostar de gente”. Gostar de escutar a tragédia humana e colaborar da melhor maneira possível, usando todo o conhecimento técnico-científico e humanístico necessário, para o acolhimento da dor, o tratamento das enfermidades, a manutenção de uma vida com qualidade, a prevenção de agravos e a promoção de saúde não só de uma pessoa, mas de uma comunidade assistida por cada um de nós. É uma tarefa hercúlea, cansativa, muitas vezes desgastante e adoecedora mas que nos traz muitas alegrias e realizações.
PN: Isso reflete no curso que temos na PUC Goiás?
RF: Sim, reflete. A beleza deste curso se faz pelo paradigma político-pedagógico de seu projeto, em que coloca o estudante em uma outra perspectiva. O acadêmico é levado a sair do “Olimpo” mitológico e deixar de pensar que é um deus, para se apropriar de um habitus profissional que inclui não só a técnico-ciência médica, mas também conhecimentos da área de humanidades no sentido de reconhecer o que é do humano, do homem e, portanto, abrindo os olhos para a questão da saúde das pessoas e não só da doença em si mesma.
PN: Sobre o Balint, esse trabalho traz que reflexos para a sociedade?
RF: Penso que a teoria Balint e os grupos Balint são instrumentos importantes nesta mudança de paradigma tão necessária à sociedade como um todo. Michael Balint, na década de 1950, ao perceber a angústia vivida pelos médicos de família diante das questões postas no início do Sistema Nacional de Saúde da Inglaterra (semelhante na época às questões ora vividas por nós no SUS), iniciou com os referidos médicos grupos de discussão de casos buscando, como psicanalista que era, entender o que se passava entre o médico e o paciente no momento da consulta. Assim, Balint foi tecendo sua teoria que é filha da experiência clínica e humana, vivida ao lado dos médicos frente aos seus conflitos, narrando as dores de seus pacientes. Muito humano, muito abrangente.
No Brasil, sabemos que quase a maioria dos processos contra médicos que correm nos Conselhos de Medicina regionais advêm das dificuldades na relação entre o médico e seu paciente. O trabalho desenvolvido por nós com os estudantes da Medicina da PUC tem como objetivo melhorar a relação entre cada um deles e as pessoas por eles atendidos, aprimorar a escuta terapêutica, abrir seus olhos para além dos sintomas físicos entendendo o paciente como um ser biopsicossocial, proteger os futuros médicos da judicialização da medicina e do sofrimento com nexo causal no trabalho como as pesquisas tem mostrado, na prevenção da Síndrome de Burnout.
PN: Temos duas egressas agraciadas com o prêmio internacional de Balint, indicadas como únicas brasileiras a ganharem o prêmio. Esse tipo de reconhecimento, claro, não seria possível sem a sua influência. Fica honrada com esse tipo de reflexo?
RF: Mentiria se disse que não me sinto honrada. Claro que sim! Mas muito mais que isso, este fato me garante que a semente que lancei caiu em terra fértil! Não é o semeador que precisa ser muito bom, é o terreno onde as sementes caem. E a própria semente. A teoria Balint está sendo levada aos vários países do mundo em uma tentativa de melhorar o atendimento médico (o que já se vê em países europeus, especialmente na Inglaterra).
Agora tenho esperança. Não só porque tenho visto os ex-acadêmicos da PUC praticando esta teoria, mas por que também os vejo, cada um a seu modo, propagando esta lógica do bom atendimento aos pacientes. São os discípulos prontos que fazem um mestre. Agradeço-lhes me permitir ter sido mestre.
PN: O que pretende fazer a partir do momento que não estiver mais em sala de aula na PUC como professora? Quer deixar algum recado para os seus alunos, colegas e amigos?
RF: Tenho dito a todos que paro a docência mas não paro a vida! Estou aqui junto a todos e todas que o queiram. Continuo no meu consultório de Psicanálise e, quando convidada, virei com muita alegria trabalhar capacitação de professores, como faremos agora em agosto. Já fui professora do ensino fundamental. Iniciei a carreira em 1974. É hora de fechar esta fase da vida com chave de ouro. Sou grata a todos os colegas da PUC (chefias, professores e funcionários) porque, se tivemos algum êxito nesta tarefa, devemos ao trabalho de equipe. Saio feliz pois vejo agora minha ex-aluna Luciana Pinelli como coordenadora do curso de Medicina, deixo minha ex-aluna da PUC, Érika Lara, como coordenadora do Eixo do Desenvolvimento Pessoal e professora das unidades de Sexualidade Humana e Saúde (AIEDP) e PIC exatamente no meu antigo lugar e, ainda, outra ex-aluna da PUC, Gabriela Cantarelli, como minha herdeira trabalhando com a teoria e os grupos Balint. Também deixo outras turmas de Balint sob o comando de uma querida e antiga amiga, professora Débora Diva.
Saio tranquila pois sei que minha luta continua agora em outras mãos. Eu confio nestas queridas colegas e amigas. Aos estudantes que passaram pela minha vida agradeço por tudo. Cada um deixou algo pessoal e querido no meu coração. Eu mudei com cada encontro. Obrigada a todos!