Semana discute luta do indígena pelo direito de ser cidadão

A Constituição Brasileira de 1988 é conhecida amplamente como a Constituição Cidadã: um documento que procurou alinhar desencontros sociais historicamente construídos no país, reverter desigualdades, apontar caminhos para um futuro mais justo. É vista por juristas de diversas partes do mundo como um exemplo. Apesar de seus direcionamentos, no entanto, a recente etapa democrática do país esbarra em uma séria questão: um documento que representa avanço tem refletido em uma sociedade que aos poucos avança, relutante e vagarosamente. “Uma coisa é estar escrito na Constituição, outra coisa é a prática, o dia a dia”, lamenta a professora Marlene Ossami, do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA). Ela fala na condição de coordenadora da Semana dos Povos Indígenas, na abertura da edição 2019.

O evento, que tem sua origem em uma comemoração tímida do Dia do Índio, na antiga Universidade Católica de Goiás (UGC) da década de 1970,  cresceu para um dos mais importantes encontros indígenas de Goiás, unindo representantes de diferentes etnias, além de pesquisadores, docentes, estudantes e representantes da sociedade civil. “A gente sempre traz o que foi mais debatido na edição anterior e, diante o desmonte de direitos, os povos indígenas de todo o país estão se mobilizando”, explica a professora.

“A gente tá sendo abandonado pelo poder público”, exclama a estudante de Pedagogia Vanessa Hatxu de Moura Carajá, de 24 anos. Vinda da aldeia de Lago Grande (MT), ela pretende voltar para casa graduada, contribuindo para o desenvolvimento do seu povo. Vanessa não está só. Ela é o retrato de estudantes indígenas que vêm a universidades como a PUC Goiás e a Federal de Goiás (UFG) em busca de formação para fortalecerem politicamente seus povos frente ao descaso governamental e da sociedade urbana. Estima-se que sejam centenas somente em Goiânia. Desde 2015, quando ingressou na UFG, Vanessa aproveita o espaço estabelecido no evento na PUC. “É, para mim, um momento de encontro, de visibilidade, de discutir nossas questões entre nós e com não-indígenas. Precisamos que andem conosco, porque o momento é difícil, e aqui conseguimos falar”.

Luta histórica

Antes de abrirem oficialmente o evento, os organizadores mostraram uma reportagem que relatava o embate entre indígenas e policiais em uma passeata até então pacífica, contra a comemoração dos 500 anos do Brasil, nos anos 2000 – se contabilizados a partir da colonização portuguesa. O protesto foi enfrentado com violência por parte da polícia baiana e rendeu imagens fortes das agressões. “Infelizmente, não é de hoje o nosso sofrimento”, alerta o professor Vilmar Guarani, um dos palestrantes convidados. A reportagem, de fato, mostra o que para o povo indígena é óbvio. Em cada relato para esta reportagem, os lamentos das violências e violações diárias se repetem, se multiplicam. Voltando a Vanessa Karajá, estudante, mãe e indígena, ouvimos sobre a insegurança proporcionada pela ausência de atenção dos governantes locais na aldeia onde sua mãe nasceu e a qual ela quer retornar, como professora. Acessos básicos de todo cidadão como à educação, à segurança, à saúde são negligenciados, lamenta ela. Até mesmo a demarcação da terra ainda enfrenta resistência, e já se passam décadas assim, diz.

Agora, Vanessa e seus colegas discutem a Constituição Cidadã, se fortalecem. Até a sexta-feira, participarão de mesas-redondas, oficinas, apresentação propostas e trabalhos e integrarão uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego). Além do protagonismo indígena, o evento conta com aliados, como a a atriz e ambientalista brasileira Christiane Torloni, que fará o pré-lançamento nesta terça-feira, 9, do documentário Amazônia – O despertar da Florestania, filme dirigido por ela e por Miguel Przewodowski. A sessão, seguida por bate-papo, ocorre no Teatro PUC, Câmpus V.

O evento é uma realização do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da PUC Goiás em parceria com o Museu Antropológico da UFG e Conselho Indigenista Missionário.

Fotos: Ana Paula Abrão