Políticas para população em situação de rua são discutidas em evento

O Programa de Direitos Humanos (PDH) da PUC Goiás, em parceria com o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento para Política de População em Situação de Rua, realizou nesta terça-feira, 27, no auditório da Área 2 (Praça Universitária), um Ciclo de Debates sobre os desafios para pensar políticas públicas para essa população.

Devido aos inúmeros preconceitos que envolvem o tema, o evento acolheu pessoas em situação de rua para, em um primeiro momento, dar voz às suas demandas e, ao mesmo tempo, dialogar com autoridades que defendem a causa. O evento foi realizado nos turnos matutino e vespertino, com mesa redonda seguida por oficinas, para discutir as políticas públicas nas áreas da educação, saúde, assistência social, trabalho, moradia, direito à cidade e segurança. Prestigiaram o evento, autoridades do Ministério Público Estadual, Agência Goiana de Habitação (Agehab), Ministério dos Direitos Humanos, além dos programas de extensão da universidade.

Criado no ano passado, o Comitê é composto por representantes de órgãos do estado, secretarias, movimentos da sociedade civil e universidades. Seu objetivo é acompanhar e monitorar as políticas públicas destinadas à população de rua, além de auxiliar na implementação das mesmas.

“Diferentemente de outros estados, Goiás ainda não possui uma lei que estabelece quais são as políticas. Só houve um único levantamento oficial feito em Goiânia, sobre o quantitativo de pessoas que vivem nas ruas e, embora louvável o trabalho realizado- que registrou 351 pessoas em situação de rua- é um número que não condiz com a realidade”, pontuou o defensor público e presidente do Comitê, Philipe Arapian.

Coordenadora do PDH, a profa. Denize Daudt explica que, por meio do diálogo com a população em situação de rua, a ideia é dar voz a essa parcela da população que é alvo de discriminação e violência de direitos. Ao final do ciclo, será redigido um documento no formato de manifesto, que possa ser levado para outras entidades que tenham uma relação com o tema.

“Também queremos produzir um material de divulgação para tentar minimizar o preconceito em relação a essa parcela da população. Goiânia é uma capital com alto índice de violência contra moradores de rua e é uma situação muito complexa, porque isso traz uma relação de famílias desestruturadas, envolvimento com substâncias ilícitas, falta de moradia, emprego, entre outros fatores”, analisa a coordenadora do Programa.

Muito além do preconceito
O coordenador geral dos Direitos da População em Situação de Rua, do Ministério dos Direitos Humanos, Carlos Ricardo, trouxe alguns dados que auxiliam na desmitificação acerca de preconceitos socialmente construídos sobre a população que vive nas ruas. Mais de 70% do público é composta por trabalhadores – muitos já tiveram carteira assinada, sendo que a maioria já foi alfabetizada. Em 2009 foi instituída uma política nacional para a pessoa em situação de rua, fato que deu abertura para existir no governo federal um espaço institucional para olhar para esse público, além de acompanhar e monitorar políticas públicas em todo o País.

“Após 9 anos, estamos repensando essa política, porque percebemos que a nossa está ultrapassada. Os países desenvolvidos desenvolvem uma política que prioriza o acesso à habitação e estamos, neste momento, trabalhando uma nova concepção para construir uma proposta brasileira que tenha esse exemplo como referência, afinal a moradia precisa ser o primeiro acesso”, ressalta o representante do Ministério.

Sobre os preconceitos explícitos em frases como “a pessoa vive na rua porque quer”, o representante também contextualizou os anos de negação e acesso às políticas públicas, além de violências praticadas por agentes do Estado. “São pouquíssimas pessoas que dizem que querem ficar e quando uma pessoa quer permanecer, nós precisamos entender o porquê dessa resposta. Muitas vezes, o órgão que pune é o mesmo que acolhe, então como fica a cabeça dessa pessoa?! Quando ela estabelece um vínculo e passa a confiar, ela diz que quer moradia e que quer sair dessa situação”, refletiu.

Vida nas ruas
Júlio César, 32, há sete anos vive em situação de rua.  Natural de Codó, interior do Maranhão, veio para Goiânia em busca de novas oportunidades de emprego e melhores condições de vida. Ao chegar em Goiás e se deparar com a solidão, não conseguiu um suporte afetivo e financeiro para concretizar o desejo inicial e buscou refúgio nas drogas. Mesmo com ensino médio completo e ter vivenciado experiências de trabalho com carteira assinada, não consegue se manter, a longo prazo, em empregos fixos.

“Tenho muita vontade de sair dessa situação, porque a rua já me cansou. Devido ao vício não consigo manter horários e isso prejudica o meu trabalho. Tentei buscar ajuda, mas o que oferecem não é o que precisamos. Nós temos que resgatar nossa dignidade, mas em muitos lugares o desrespeito é claro, nos tratam como se a gente fosse um nada. Isso nos desmotiva e, frustrados, voltamos para a rua”,  relata.

O morador de rua participou do evento na expectativa de buscar políticas públicas que priorizem a habitação. “Quero voltar a estudar e conseguir uma moradia, porque o dinheiro que eu iria gastar com aluguel, poderia investir nos meus estudos e, assim, sair da rua”, almeja.

Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás, Patrícia Otoni Pereira, também prestigiou o ciclo de debates e reforçou a relevância da participação da população em situação de rua nesse tipo de evento. “ Eles precisam ser escutados para que essa política realmente venha ao interesse da população hipossuficiente. Há muito desconhecimento no trato dessa população e preconceitos exagerados. É necessário trabalhar essa pessoa para retomada da autoestima, para que ela possa voltar ao convívio família e social”, analisa.

Fotos: Wagmar Alves