Camila de Ávila: uma vida por inteiro
Camila de Ávila Alves Pereira teve uma vida intensa, plena e de muitas conquistas. Não era como se houvesse tempo para o depois, ela sempre viveu o agora e de forma íntegra e determinada, quis o melhor de cada momento. Para quem a viu respirar nos seus últimos segundos dos seus 31 anos, foi como se ela soubesse que a sua jornada neste plano seria mais curta e isso a fizesse desejar viver todas as experiências possíveis.
No último sábado, 24 de fevereiro, Camila faleceu em decorrência de complicações de uma leucemia, diagnóstico com o qual lutou nos últimos dois anos. Egressa da PUC Goiás, formada com honra no curso de Medicina, ela deixa um legado para os colegas, professores e toda a comunidade: a coragem de se entregar a cada etapa da vida com curiosidade e, ao mesmo tempo, amor. Nesta sexta-feira, 1º de março, às 19h30, será celebrada missa de sétimo dia para Camila, na Paróquia Universitária São João Evangelista.
Primeira filha de Wagmar Alves, funcionário da PUC Goiás há 17 anos, e Mariza Ávila, médica intensivista, Camila nasceu e foi criada em Goiânia. Logo depois ganhou dois irmãos, companheiros de uma vida, os gêmeos Mateus e Gabriel, de quem sempre foi o esteio e o apoio. Em casa, sempre foi a voz da sensatez. Gostava de Friends, de livros, de jogos de tabuleiro, de Fórmula 1 e de Beatles, mas sobretudo, Camila gostava de gente, de casa cheia, de amigos, de família, de festa.
Estudou na adolescência no Prevest, onde se destacou pela liderança e por ser uma ótima estudante, tanto que logo no final do Ensino Médio foi aprovada para Relações Internacionais aqui na PUC Goiás. Ao final do primeiro período, quis bater asas e se mudou para Brasília, aprovada no mesmo curso na UnB. Os pais organizaram, não sem dor no coração, a partida dela, um novo endereço perto da universidade, um começo.
“Aos 19 anos, ela foi morar sozinha. O apartamento era perto da universidade, mas em Brasília, todo o resto é longe. Vinha nos finais de semana para casa. E ela percebeu que a carreira escolhida se desenvolveria em um prazo bem mais longo”, explica o pai, Wagmar. No final do período, a saudade bateu, ela voltou com a mudança pra casa e já decidida a ser médica como a mãe.
Foi um ano de cursinho até ser aprovada no vestibular de Medicina da PUC Goiás (2014/1) e, naquele mesmo ano, ela ganhava um outro presente: Miguel. Camila ficou grávida e ganhou bebê durante os preparativos para a seleção. Foi um período intenso e marcado pela entrega dela, que fez a prova com Miguel na barriga e começou as aulas com o filho já no colo, em 2013/1. Foram duas jornadas importantes que ela escolheu viver de forma intensa e sem meio termo.
“Camila é doce, é dinâmica e é feliz. Marcou seus professores e me marcou profundamente desde o primeiro dia de aula! Uma festa vê-la grávida de 9 meses fazendo a matrícula. Superou-se conciliando estudos e maternidade. Emocionou-me profundamente levando a mim a maior homenagem que já recebi em minha carreira docente. Era menina e transparecia maturidade. Estava doente e mostrava bravura. Camila é bela, é gentil, e suas qualidades têm raízes na família querida. Não se trata de um adeus. É apenas um “até breve”. Um dia nos reencontraremos na Luz do Senhor”, fala emocionada sua professora Luciana Pinelli, que foi coordenadora do curso de Medicina no período em que Camila estudou e ganhou homenagem de sua turma, a 18ª a se formar na universidade.
Colega no curso e na vida, Sarah Lays Candido da Silva sempre teve Camila como uma amiga essencial, parceira, conselheira e sensata. “Ela falava sempre o que você precisava ouvir, nem sempre o que você queria. Brava, mas ao mesmo tempo sensível, delicada, sabia ler as pessoas ao seu redor. Ensinou o brilho que é viver. Cumpriu seu papel com maestria e ensinou até o fim. Durante a faculdade ela foi extremamente responsável, mas ao mesmo tempo não deixou de aproveitar tudo e todos que estavam com ela. Uma sensibilidade ímpar, o coração maior ainda”, conta ela, entre lágrimas de saudade, mas também de certeza do legado deixado por Camila.
Na universidade, ela não queria só vir às aulas, mas participar da atlética, do Centro Acadêmico, dos eventos e de toda a movimentação dos colegas. Fazia parte da bateria, da comissão de formatura e das ligas acadêmicas. Deixava sua marca e seu sorriso por onde passava, tanto que foi escolhida como juramentista na sua colação de grau, quando subiu os degraus do teatro da PUC Goiás levando consigo o seu outro diploma, Miguel.
Porque enquanto se formava médica, ela se dedicava à maternidade em todas as horas vagas. Não raro o filho estava nos eventos com ela, ou em uma aula. Mãe solo, Camila sempre contou com os pais em uma tríade amorosa para cuidar do filho. Com ela, Wagmar conta que aprendeu mais sobre paciência e sobre parentalidade do que com os filhos. “Ela nunca perdia a paciência com o Miguel, abaixava para falar com ele sempre. Planejava cada passo e, mesmo doente, buscava o melhor pra ele”, explica.
E foi assim que Miguel, hoje com 10 anos, e Wagmar estiveram com ela neste momento mágico, em janeiro de 2020, assim como Mariza, Mateus e Gabriel, seus companheiros de jornada, o quinteto que depois segurou sua mão no diagnóstico e no enfrentamento da leucemia. Formada médica, Camila começou a trabalhar, queria se especializar em Neurologia, montou o primeiro apartamento, conquistou independência.
Mas o diagnóstico da leucemia a trouxe para volta de casa. Foram dois anos de batalha contra a doença, idas e vinda ao hospital, à São Paulo. A busca por um doador de medula, a quimioterapia e imunoterapia enfrentadas por uma jovem que nem tinha completado 30 anos foram compartilhados nas redes onde ela mobilizou milhares de pessoas, ainda se comprometendo com seu juramento de médica em salvar vidas e pedindo que as pessoas se cadastrassem como doadores de medula. Por causa dela, centenas de jovens doaram sangue, plaqueta e se cadastraram no banco, por causa da menina bonita, com voz tranquila e resignada, que explicava como acontece o cadastro para se tornar um doador.
Internada, ela falava em vídeos para gente jovem como ela sobre estar do outro lado da medicina e de poder olhar como paciente para todo aquele aparato médico, humanizava seu quadro para os leigos, explicava os termos complexos, dizia do desejo que as dores fossem embora. Camila recebeu ano passado a medula do irmão Mateus, com quem ficou internada dias e dias em São Paulo. Celebrou cada etapa, como sempre fazia.
Mas seu corpo estava debilitado pelo tratamento, voltou para casa e não conseguia mais reagir. Sofria, segundo a família, muitas vezes em silêncio. Falava do isolamento e rezava. Por fim, dizia do amor que tinha vivido para os seus. “Eu sou muito grata pela filha que eu tive. Cada minuto que cresci junto com a Camila, pela maravilhosa família que temos e pelos amigos que estão nos apoiando agora, que sei que são fruto de tudo que ela foi. Deus me permitiu passar por essa dor com um propósito maior e sei que com isso estarei mais próximo dele. Só vejo um sorriso quando a imagem da Camila vem à mente”, afirma Mariza.
Camila viveu 31 anos, foi filha, irmã, neta, mãe, médica e amiga. Viveu sozinha e acompanhada, ajudou a salvar vidas, deu a vida para alguém e, sobretudo, amou e é muito amada.