Dia do Folclore resgata tradições no Memorial do Cerrado

O ato de fiar a mão traz consigo não só os traços artesanais deste raro trabalho, como também, mostra a história de vida de quem é protagonista nesse processo manual. Atenta em cada detalhe, a mineira Maria Conceição, 93 anos, enquanto manuseia o algodão, lembra a mudança da cidade de Pimenta, MG, para Goiânia há 50 anos, conta o sentimento de satisfação pela trajetória profissional e pessoal dos 10 filhos e, claro, a alegria por conviver com os netos, bisnetos e tataranetos no cotidiano.

“Somos 50 pessoas na família, acho que dá para fazer uma festa, né?!”, diz a fiandeira ao dar uma pausa no trabalho artesanal para rememorar sua história e, também, divulgar o trabalho do grupo das fiandeiras da Associação dos Idosos do Brasil (AIB) no Dia do Folclore, evento promovido pelo Instituto do Trópico Subúmido (ITS) da PUC Goiás, nesta quinta-feira, 22, data que também marca as comemorações nacionais em alusão ao tema.

Com o intuito de prestar uma homenagem à cultura popular, focada nos povos do Cerrado, durante todo o dia, o Memorial do Cerrado recebe grupos de catira, cantos folclóricos e Folia de Reis, além de receber a visitação de escolas da rede pública e privada, com a expectativa de acolher, até o final da tarde, 5 mil visitantes, a maioria crianças. Entre os participantes, uma percepção fica nítida: o encontro entre gerações traz, aos mais jovens, o contato com o passado e a relevância de resgatar a história para compreender o tempo presente e futuro.

“Precisamos comemorar o Dia do Folclore. Dentro desse contexto, estamos representando o século XVIII. Já estamos três séculos à frente e queremos resgatar costumes, lendas e cantorias daquela época. Essa universidade, que se preocupa com o meio ambiente, quer mostrar às novas gerações o que está acontecendo no mundo hoje e o podemos mudar daqui pra frente”,  ressalta o diretor do ITS, José Rubens Pereira.

Para preparar todo esse ambiente folclórico e lúdico para os visitantes, a universidade preparou uma força tarefa, que conta com a colaboração de monitores voluntários atuando em todos os espaços do Memorial do Cerrado, incluindo Museu de História Natural, Vila Cenográfica, Aldeia, Quilombo e Fazenda, para partilhar o conhecimento adquirido na instituição com as pessoas da comunidade.

E, mesmo entre os jovens acadêmicos, há gente que aprendeu muita coisa com a família e passa a lição adiante. É o caso da estudante do curso de Biologia, Ana Paula da Silva Valverde, 20 anos que, pela terceira vez, é voluntária no evento. Como morava na zona rural do Mato Grosso, já havia aprendido a técnica de produção de biju com a família e agora, no Dia do Folclore, tem a oportunidade de partilhar sua experiência com os visitantes. “Eu morei muito tempo na fazenda, aprendi a fazer biju com a minha avó, então tenho um contato maior com tudo isso aqui. Adoro esse contato com os alunos, explico todo o processo de como faz e eles gostam bastante”, relata.

Nesse contato com as práticas manuais, com aquilo produzido pelas gerações anteriores, crianças e adolescentes que visitaram o Memorial aprovaram a experiência e, também, tiraram algumas modas sertanejas do baú, quer dizer, do gogó: “cantei no palco Boate Azul”, disse, aos risos, a aluna do 1º ano do Ensino Médio, Gabrielly Amanda, que, muito provavelmente, aprendera a canção com os pais ou avós e soltou a voz para os colegas, sem medo de se expor. A aluna da rede pública de ensino retornou ao Memorial pela segunda vez neste ano e agora mais experiente em relação à primeira vivência, pôde desfrutar e interagir com os atores que estavam presentes na Vila Cenográfica.

Já a estudante Sthefanny Santana, 14 anos, da Escola Educarte ficou encantada com o quilombo, e durante a visita ao museu aprendeu bastante sobre a formação geológica do Cerrado. “A gente adquire muita cultura quando vem aqui, foi muito bom”,  avalia. O Memorial recebeu visitas de 50 escolas para o Dia do Folclore.

A programação também foi prestigiada pela Reitoria da universidade, que visitou o espaço no turno matutino. “O ITS é um espaço de ensino, extensão, mas, sobretudo, de conservação da memória. Um povo que não conserva a memória está fadado ao fracasso. A universidade cumpre sua função social, ao manter no coração da cidade um ambiente como esse, preservado, com todo cuidado, para que as unidades acadêmicas possam ter uma conservação e uma utilização pela comunidade”, declarou a pró-reitora de graduação, profa. Sonia Margarida Gomes Sousa.

E diante daquilo que foi visto, ouvido e acolhido por cada visitante que compareceu no Dia Folclore, um depoimento de dona Maria, fiandeira, ilustra, com lucidez e simbolismo, aquilo que o conhecimento científico chama de conservação da memória: “a gente foi criado vestindo roupa desse jeito, do algodão: roupa de cama, calça para os homens, saia para as mulheres. É muito importante os jovens entenderem que a gente começa a vida na luta deste algodão. Aprendi com minha mãe e ensinei aos meus filhos”,  conclui.

Fotos: Wagmar Alves